Resposta à declaração do Dr. Heitor Rosa sobre a necessidade do uso de animais para o avanço da ciência, presente no link: http://libertacaoanimalbrasil.blogspot.com/2008/07/por-que-os-animais-so-necessrios-cincia.html
VIVISSECÇÃO
Experimentação Animal - Por que médicos antivivisseccionistas?
O que preocupa os vivissecionistas? Alguns acontecimentos que anunciam para eles um futuro de decadência e, para nós, a ascensão rumo a uma nova cultura que revolucionará a medicina, seja no plano científico, seja no plano pragmático.
Não estamos fazendo alusão às ações violentas como as das A.L.F. (Animal Liberation Front) que escolheu a via de libertar as vítimas e de devastar os laboratórios de pesquisa. Essas ações não somente são condenáveis, como também não têm utilidade, porque a violência não é o melhor advogado da verdade.
Existem fatos que deverão preocupar os defensores da experimentação animal muito mais do que as ações da A.L.F.
Em primeiro lugar, o apoio que nos é dado pela gente comum. Os “cientistas” ainda pensam pertencer a uma casta de intocáveis, mas para nós, antivivisseccionistas, a opinião pública conta muito mais do que a opinião de qualquer “élite intellectuelle”. Reconhecemos na gente comum as mesmas intuições dos artistas, o mesmo faro para antecipar os eventos. Pois bem, as pesquisas demoscópicas apresentam o seguinte resultado: para a medicina somente 21,2% e para a cosmetologia somente 4,7% dos italianos consideram necessária a experimentação nos animais. Ressalte-se que não possuímos nem ao menos a milésima parte do poder econômico e político e dos meios de publicidade dos nossos adversários.
O segundo motivo de preocupação é a crescente adesão, às nossas associações, de médicos, veterinários, biólogos pesquisadores, técnicos, ou seja, profissionais que representam o “antivivisseccionismo científico”.
Ainda mais alarmante para os nossos adversários é a fundação de “Ligas de Médicos Antivivisseccionistas”. Elas estão surgindo em todo o mundo: a alemã “Arzte gegen Tierversuche”, a anglo-saxã “DBAE” (Doctors in Britain against Animal Experiments), duas associações nos Estados Unidos, uma no Japão. Além disso, existem as associações de estudantes, na maioria estudantes de medicina, de veterinária, de biologia. Uma delas é a “SATIS” (Studentische AG gegen Tieverbrauch im Studium).
Um conselho aos vivisseccionistas: não subestimem os estudantes; daqui a alguns anos eles os humilharão. Mas a humilhação maior será a de relembrar o próprio passado e constatar que o próprio comportamento prejudicou a pesquisa médica e a medicina prática. Ter de reconhecer que se está perseverando em um erro metodológico, por culpa do qual o mercado vem sendo inundado de preparados tóxicos ou teratogênicos, os quais constringem as autoridades a retirar do comércio todo ano um número inacreditável de remédios, os quais, depois de terem se revelado inócuos para os animais, revelam-se tóxicos e mesmo mortais para o homem.
De 1984 a 1987 na Itália foram denunciados 14.836 efeitos tóxicos dos remédios com 112 mortes; 6% das doenças com resultado mortal e 25% de todas as doenças conhecidas são devidas aos medicamentos (Professor Hoff – Congresso de Medicina Interna de Wiesbaden, 1976); 10% das internações hospitalares são devidas a intoxicações por remédios e 30% dos internados devem prolongar a hospitalização em seguida a “curas erradas”; no Reino Unido, em 1977, foram observados 120.336 casos de efeitos tóxicos causados por remédios (R. Sharpe, 1988).
Teratogêneses: na Alemanha, em 1931 nasciam 3 crianças com má formação a cada 100.000nascimentos; hoje são 500; nos U.S.A. nascem 200.000 crianças com má formação por ano. E tudo isso em coincidência com a descoberta de um número sempre maior de remédios teratogênicos, “criadores de monstros”.
Pareceria lógico pensar que todo remédio retirado do mercado (na Itália, de 1972 a 1983, 22.621 confecções de especialidades medicinais retiradas por ordem do Ministério da Saúde) constitua, perante a opinião pública, um descrédito para a empresa fabricante. Não é assim. Para a indústria contam apenas duas coisas: o lucro e a retribuição (“turn over”) da produção. A retirada do mercado é perfeitamente compatível com ambas as exigências: com o lucro, porque quando o remédio é retirado (em seguida a repetidas observações negativas) a venda já realizou o lucro inscrito no orçamento. Nessa altura a empresa está pronta para substituir o produto farmacêutico desqualificado por um outro que pode ser ainda pior, mas que exercita sobre o público e sobre os médicos o fascínio publicitário da novidade, e assim é satisfeita também a segunda exigência, aquela de manter eficiente a roda produtiva e garantir a segurança dos empregos.
Os progressos da ciência médica são capciosamente atribuídos às experimentações nos animais, esquecendo-se dos fatores sociais e higiênicos que intervieram nesse meio tempo. A diminuição das doenças infecciosas (mas não virais!) vem sendo atribuída aos antibióticos e às vacinações, mas não é lembrada a cultura da higiene pessoal e coletiva, o sol que entra nas habitações modernas para derrotar as tuberculoses, o refrigerador, a torneira de água corrente e o aquecimento em cada casa.
Permanecem na sombra as estatísticas sobre doenças degenerativas: na Suíça, de 1931 a 1978, em uma população aumentada em 50%, os casos de câncer aumentaram 132%, os de diabetes 171%, as leucemias 257%, as doenças cardiocirculatórias 260%, as doenças hepáticas 108%. Nos Estados Unidos em apenas 10 anos (1971-1981) os casos de câncer passaram de 330.000 a 420.000 por ano (aumento de 27% diante de um aumento demográfico de 1%); na Itália a mortalidade por câncer, de 1940 a 1969, aumentou 130%(ante um incremento demográfico de 27%).
Esses fatos deveriam ser suficientes para sugerir uma frase elementar que, porém, está na origem de todas as revisões críticas: “existe alguma coisa que não encaixa”. Os próprios interlocutores nossos nos indicam onde procurar esta “coisa que não encaixa” quando afirmam que a experimentação animal é a base da medicina humana, que é um método irrenunciável, que principalmente a ela é devido o progresso médico e o alongamento da vida média (com respeito a que século?), que as maiores calamidades (câncer, AIDS) serão logo derrotadas fazendo experimentações nos animais.
Se ao panorama que nos é apresentado com tanto otimismo e fantasia, contrapusermos os dados há pouco referidos, então aquela “coisa que não encaixa” não pode deixar de se identificar com o erro metodológico: experimentação “inter species”, ou seja, experimentação em uma espécie animal para transferir os resultados para uma outra espécie, um dos erros mais grosseiros, mas também mais trágicos, entre todos aqueles que desacreditaram o pensamento humano desde os tempos de Galileo.
O vivisseccionismo é filho carnal do cientificismo, a nova religião que substituiu a dúvida sistemática e o princípio da confutabilidade (“Não é científico aquilo que parece verdadeiro, mas somente aquilo que parece confutável” – Karl Popper) pelo dogmatismo, pela intolerância, pela arrogância, traços típicos das seitas religiosas. “Uma pílula para cada doença” nos promete, desconsideradamente, o cientismo médico.
Uma conseqüência previsível é a medicação da sociedade, com efeitos facilmente quantificáveis no plano econômico: o recurso aos medicinais e aos médicos atingiu aspectos neuróticos, ameaçando de colapso o inteiro sistema econômico.
Uma segunda conseqüência é a industrialização da medicina. O desejo de saúde transformou-se em requisição de saúde, mas “requisição” em seu significado consumista, de suscitar pedidos muito além das necessidades coletivas e individuais, para que se incremente indefinidamente os dois pilares econômicos da indústria: demanda e produção.
Este mecanismo de autopromoção não é aceitável em medicina, pois incrementar a demanda significa promover as doenças ou criá-las de novo para poder curá-las, e depois curar as doenças provocadas pelas curas utilizadas para curar as doenças originais, etc, etc.
A “fé inabalável” na experimentação animal está há algum tempo sofrendo entre os próprios vivisseccionistas uma lenta, mas constante diminuição. Passou-se daquela fé que induziu os descobridores da penicilina (A. Fleming, H. Florey e E. B. Chain) a declará-la “não tóxica” somente pelo fato de tê-la experimentado sem danos nos ratos (mas se a tivessem provado em porquinhos-da-índia teriam obtido o resultado de “mortalmente tóxica”!) à admissão um tanto conciliatória: “com a experimentação nos animais nós não pretendemos resultados certos, mas apenas indicações”. Porém uma indicação pode ser útil se aponta na direção justa, enquanto é perigosamente enganadora se aponta em uma das inumeráveis possíveis direções erradas. Igualmente perigosa pode ser uma “indicação” incompleta. Por exemplo, comendo sem danos a cicuta, as calhandras nos dão a informação “justa” que a cicuta é comestível, mas não nos completam a informação dizendo que ela é comestível somente para elas.
Os políticos, muitos dos quais são o braço secular dos vivisseccionistas, ameaçam regulamentar a experimentação animal com leis que, enquanto restritivas, terão somente o efeito de proteger os vivisseccionistas, reforçando o seu direito de utilizar uma prática que não ameaça somente os animais mas, o que mais importa, a saúde humana.
Uma fraude ideológica comum é aquela de atribuir ao método vivisseccionista descobertas obtidas por outras vias. Um exemplo entre tantos: a descoberta da insulina. Foram os anátomo-patologistas que descobriram, no cadáver, a correlação entre diabetes e atrofia das “ilhas de Langerhans” do pâncreas. Essas observações eram já sabidas há tempo, quando os experimentadores decidiram extirpar o pâncreas de cães e obter...o diabetes dos cães. Mas isso lhes permitiu atribuir a descoberta da insulina à experimentação nos cães! Além disso, não seria extravagante procurar no cão, que é um falso modelo experimental do homem, a confirmação do que foi observado no próprio homem, o verdadeiro modelo experimental da espécie humana?
O esquema conceitual que está na base da experimentação nos animais fornece sempre e somente resultados falsos?
Seria um erro maniqueísta assim pensar. Existe na natureza um fenômeno um tanto comum, a coincidência, e seria um péssimo jogador de azar aquele que não admitisse que, entre milhões e milhões de experimentos que se fazem todos os anos sobre numerosas espécies animais, não possa aparecer algum resultado coincidente com a realidade da espécie humana. Temos um exemplo histórico clamoroso de como um esquema conceitual radicalmente errado pode fornecer, por um conjunto de coincidências, alguns resultados exatos: o sistema ptolemaico. Por cerca de dois mil anos, graças ao sistema ptolemaico os eclipses solares e lunares eram previstos com uma espantosa precisão, e a cada dia os mapas ptolemaicos indicavam aos navegantes a rota de casa.
Na realidade, em dois mil anos, os maiores matemáticos, astrônomos, filósofos tinham feito do sistema ptolemaico uma esfera perfeita do pensamento humano, no interior da qual cada singular peça do mosaico se adaptava perfeitamente ao desenho geral. Todavia, o sistema inteiro era errado, e o sistema inteiro foi jogado na lixeira, sem poupar aqueles detalhes que tinham sido justos ou úteis. Da mesma forma, o inteiro método vivisseccionista deverá ser rejeitado, sem poupar aqueles detalhes que, por coincidência, podem originar resultados justos ou úteis.
A experimentação animal ameaça o homem de duas formas:
1. De modo indireto desviando do caminho a pesquisa médica de base;
2. De modo direto induzindo a experimentar no homem com a mesma mentalidade que guia a experimentação nos animais.
Mas há um terceiro dano, menos perceptível, mas universalizado: a mentalidade vivisseccionista, que é cientista e experimentalista, contaminou a cultura e os comportamentos do médico. Os médicos não sabem mais observar, visitar, falar com o doente, escutar o doente. Sabem somente encaminhar o doente que, não esqueçamos, é uma pessoa, para os laboratórios de diversas tecnologias, os quais se ocuparão em examiná-lo por setores, de um modo parcelado semelhante àquele que guia, na sua atividade, os vivisseccionistas.
Seria um erro reduzir tudo ao simples dilema “experimentar ou não experimentar nos animais”. Trata-se de algo muito maior: do choque que historicamente estava sendo preparado há decênios, entre uma cultura velha, mofada e muitas vezes acanalhada com uma cultura nova que se está difundindo sobretudo entre os jovens com a rapidez e a espontaneidade características de todas as reviravoltas culturais que assinalam um novo degrau no progresso da civilização.
Fala-se tanto de “experimentação”, experimentação no animal, experimentação nos voluntários sãos, experimentação nos doentes. Mas a essa altura surge uma questão: seria a medicina essencialmente uma ciência experimental? E se não for assim, o que é então a medicina?
A medicina é essencialmente ciência da observação, em que a experimentação ocupa somente uma parte menor da investigação médica. Mas aquela “parte menor” foi contaminada por um enorme erro grosseiro: aquele de haver adotado os animais como modelos experimentais do homem.
Fonte: Pietro Croce (Anátomo-patologista, Livre-docente da Universidade de Milão)
Tradução feita por Vânia Rall Daró do texto “Perché medici antivivisezionisti” de Pietro Croce, encontrado no sítio do Comitato Scientifico Antivivisezionista
(http://www.antivivisezione.it)
Nenhum comentário:
Postar um comentário