segunda-feira, 2 de julho de 2007

A Lei do Cão: se fugir, o bicho-homem pega; se acatar, o bicho-cão morre.

O Decreto 37921/05, sancionado pela Governadora Rosinha Garotinho em 05 julho de 2005, regulamenta e altera, simultaneamente, duas leis sobre cães: a lei 3205/99, de Carlos Minc, que trata de pitbulls, e a lei 3207/99, de Sivuca, que amplia as restrições da primeira a outras raças de cães aleatoriamente consideradas “ ferozes”. A regulamentação dessas leis transformou, da noite para o dia, a vida de vários cães e seus proprietários em um verdadeiro pesadelo: animais enclausurados, passeios noturnos pela cidade internacionalmente conhecida pela violência descontrolada, olhares acusadores de vizinhos outrora amistosos, exclusão social e até o apedrejamento de donos de cães das raças discriminadas pelas leis, conforme noticiou o jornal O Globo em 17/07/05.

Nesta entrevista ao site Saúde, a médica veterinária Andréa de Jesus Lambert, ativista dos direitos dos animais e Presidente da ONG Associação Nacional de Implementação dos Direitos dos Animais (ANIDA), explica as contradições contidas nessas leis recentemente regulamentadas e propõe alternativas para facilitar o bom convívio social entre pessoas e animais.


saude.com.br: Por que você e tantos outros veterinários são contra o uso indiscriminado de focinheira preconizado pelo Decreto nº37.921 de 05/07/05?
Dr. Andréa Lambert: A focinheira deve ser utilizada em animais que manifestam agressividade a fim de impedir que o cão morda quem o manuseia em determinadas situações, como no exame físico ou no transporte. O uso da focinheira durante a atividade física pode acarretar graves problemas para saúde do cão e até levá-lo à morte. Isto porque os cães necessitam abrir a boca para trocar temperatura com o meio-ambiente – através da evaporação da respiração –, sobretudo durante as caminhadas ou qualquer outra atividade física. Podemos dizer que os cães transpiram pela boca, portanto o uso inadequado da focinheira incorre em crime ambiental de abuso e maus tratos a animais, previsto na Lei Federal de Crimes Ambientais nº9.605/98.Para que haja segurança no controle do cão, é importante que seu condutor o mantenha com coleira e guia, e que seja uma pessoa capaz e com força física para contê-lo. Uma pessoa responsável conduz o cão com coleira e guia sem causar qualquer risco a terceiros. Em contrapartida, uma pessoa irresponsável pode andar com um cão com focinheira e não conseguir segurá-lo a ponto de impedir que este ataque alguém. Já houve casos de cães conduzidos com focinheira que conseguiram retirá-la e morder várias pessoas. Qualquer animal mantido ou conduzido de forma inadequada pode morder.

saude.com.br: Há alguma explicação científica para o alegado comportamento agressivo dos pitbulls, rottweillers, filas e dobermanns, raças citadas como ferozes pelo Decreto nº37.921/05? Caso não haja, qual o motivo da fama violenta dessas raças?
Dr. Andréa Lambert: Não existe nenhum estudo que comprove o comportamento agressivo que insistem em associar a estas raças. Pelo contrário: profissionais especializados em comportamento animal sempre informam que a agressividade pode se manifestar em cães independentemente da raça. A agressividade dos cães, na maioria das vezes, é estimulada pelo homem; pitbulls, rotweilers, dobermanns e filas brasileiros servem de bode expiatório para a impunidade e incompetência do poder público em lidar com a crescente relação homem/ animal em nossa sociedade.Geralmente as agressões caninas estão ligadas à falta de convivência dos animais com as pessoas e a maus tratos, como cães mantidos acorrentados, sem alimento ou espaço físico suficientes, e espancamento. É fácil culpar um ser “ irracional”, quando é o ser “ racional” quem deveria zelar pelo bem-estar dos animais que estão sob sua responsabilidade. O pitbull não é menos amoroso com seu dono que outros cães. É um cão dócil e companheiro. O problema é o dono insensível e irresponsável.

saude.com.br: Na década de 1980, os cães da raça dobermann eram considerados " cães assassinos "; foi feito até um filme com este tema na época. Nossa sociedade parece ter sempre a necessidade de eleger um algoz. Você acredita que o pitbull é o algoz da vez? Por quê?
Dr. Andréa Lambert: Agora é o pitbull, como já foi o dobermann e o rotweiller. Sempre existirá um bode expiatório para mostrar uma aparente eficácia nas ações de nossas autoridades para os problemas que surgem. Cada vez mais cães são utilizados para segurança e proteção, inclusive dos marginais que usam cães com potencial ofensivo em locais de sua atividade criminosa. Não são poucos os casos de cães encontrados em favelas quando a polícia estoura um ponto de trafico de droga. Por exemplo, quando ocorreu a morte do traficante Lulu, foi encontrado um pitbull, que depois foi adotado por um policial do BOPE.

saude.com.br: É inegável que um grande segmento da sociedade ficou satisfeito com a regulamentação da Lei do Pitbull após cinco anos de espera. A que você atribui tamanho índice de aprovação popular?
Dr. Andréa Lambert: Uma boa parcela da sociedade não sabe a verdade sobre o pitbull, um cão amoroso e leal com seu dono. O que a sociedade conhece da raça é o que a mídia divulga, os casos de ataques, os cães com comportamento agressivo; a imprensa não mostra os pitbulls que convivem muito bem com seus donos e lhes trazem muita alegria, em função de seu caráter extremamente alegre e carinhoso.

saude.com.br: Em sua opinião, quais os pontos fortes e fracos da Lei do Pitbull? O que poderia ser modificado a fim de melhorá-la?
Dr. Andréa Lambert: A Lei do Pitbull deve ser totalmente reformulada. Uma Lei que tem como objetivo evitar casos de ataques de cães não pode se prender a uma raça apenas, pois todos os cães , quando negligenciados e maltratados, podem agredir seus donos ou desconhecidos.A Lei 3.205 de 1999, do deputado estadual Carlos Minc é preconceituosa, pois discrimina proprietários da raça pitbull e tem vários pontos inconstitucionais. Ela fere, por exemplo, o artigo 225º da Constituição Federal, que veda a crueldade cometida contra os animais, e o artigo 32º da Lei de Crimes Ambientais nº9605, que criminaliza o abuso e maus tratos infligidos a quaisquer animais. Por isso é que se levou tanto tempo para regulamentá-la, o que só acabou ocorrendo devido aos apelos da mídia, que esquece de noticiar dezenas de casos de ataques de cães de várias raças, inclusive de vira-latas.É importante ressaltar que a maioria dos casos de ataques e mordidas de cães ocorre dentro das residências ou com animais em fuga. Nestes casos, a Lei do deputado Carlos Minc é inócua e oportunista, pois apresenta uma falsa proposta de segurança para a população.Outro ponto importante a observar é o malefício do uso inadequado da focinheira. Seu uso compulsório, conforme prevê a Lei do deputado Carlos Minc, predispõe o cão à morte. Além disso, a restrição do horário para passeios em logradouros públicos, permitidos somente à noite e de madrugada, sujeitam animal e proprietário ao enorme risco da insegurança pública. O cidadão que for obrigado a passear em horário de risco de segurança com seu cão pitbull, rotweiller, dobermann e fila pode ser assaltado; e o cão, estando com focinheira, tornará o dono ainda mais vulnerável à abordagem de marginais. Isto é injusto e abusivo. Uma pessoa responsável será obrigada a colocar focinheira em um cão dócil e inocente.O preconceito contra certas raças de cães não soluciona o problema de agressões; pelo contrário: marginaliza as raças chamadas de “ ferozes”, aumenta o abandono e os maus tratos e as agressões continuarão. Pessoas ainda serão mordidas e mortas dentro de casa por seus cães e por cães de seus vizinhos. Ou será que no próximo projeto de lei, quando a atual Lei do Pitbull fracassar, o deputado Carlos Minc irá propor colocar focinheira nos cães dentro de casa e estimular um horário para eles se alimentarem? Não é preciso ser especialista em comportamento animal para saber que um cão, nessas condições, ficará mais estressado e inquieto, podendo até se tornar agressivo pela falta de convivência com outros animais e pessoas. A socialização é essencial na educação de um animal, seres humanos incluídos.O importante é punir com rigor os donos irresponsáveis e combater os maus tratos. Cães de qualquer raça, mesmo os vira-latas, devem ser conduzidos em vias públicas por pessoas capazes de contê-los, com coleira e guia. É inadmissível discriminar apenas uma ou quatro raças e colocá-las como uma ameaça à sociedade.

saude.com.br: O mundo se divide entre pessoas que amam, pessoas que não ligam e pessoas que não suportam animais. Como a posse responsável pode melhorar o convívio entre pessoas com e sem animais? Qual a importância disso?
Dr. Andréa Lambert: Quem decide ter um animal de estimação deve ter consciência das necessidades físicas e psíquicas do animal que escolher. Cães, gatos ou animais de qualquer outra espécie necessitam de cuidados. Cães e gatos vivem, em média, 15 anos. O proprietário deve ser responsabilizado pelo bem-estar e pelo comportamento de seu animal de estimação.

saude.com.br: Há anos você se dedica ao bem-estar dos animais, fazendo rondas diárias por colônias de animais em logradouros públicos, oferecendo-lhes atendimento veterinário e esforçando-se para lhes encontrar um lar em programas de adoção. Como a Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais da Cidade do Rio de Janeiro (SEPDA) vem ajudando-a nesta rotina? Como a SEPDA, objetivamente, vem melhorando a vida dos animais domésticos no Rio de Janeiro?
Dr. Andréa Lambert: Os animais sempre foram vistos como um estorvo e um problema para o poder público. Desde a segunda gestão do prefeito César Maia na cidade do Rio de Janeiro, em 2001, foi implantada uma política de proteção e defesa dos animais com a criação da Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais. Na prática, contudo, falta investimento e uma verdadeira consciência do que é proteger e defender animais. O preconceito contra eles continua grande.Desde 1998 realizo um trabalho voluntário que tem como objetivo amenizar o sofrimento de gatos que são abandonados em uma praça no centro da cidade, mas até hoje não houve uma atuação efetiva da SEPDA.Às vezes, pequenas ações podem fazer diferença, como educar a população sobre a realidade do abandono e a importância da adoção para salvar as vidas de animais vitimados pela insensibilidade de seus donos. Acho que não custaria muito aos cofres públicos da prefeitura espalhar outdoors pela cidade incentivando a adoção. Nesses outdoors, o Secretário de Defesa dos Animais, Victor Fasano, poderia convidar a população a adotar animais abandonados e, sendo ele um ator, também poderia convidar outros artistas que amam os animais a participar da campanha. Tenho certeza de que se isso ocorresse, muitos animais de rua seriam adotados e ganhariam uma vida digna.

saude.com.br: Que conselhos você poderia dar aos proprietários de cães de raças consideradas ferozes pela Lei do Pitbull a fim de garantir seu bem-estar , apesar das restrições atualmente preconizadas?
Dr. Andréa Lambert: Com assinatura do Decreto que regulamenta a Lei do Pitbull pela governadora Rosinha Garotinho, a polêmica da ferocidade do pitbull voltou; a mídia está dando grande enfoque a esta questão e, na maioria das vezes, de forma distorcida. Já está havendo o aumento do abandono de animais das raças discriminadas e cidadãos estão sendo insultados nas ruas quando passeiam com seus cães, mesmo os de raças não incluídas na Lei, como o pastor alemão e o boxer. Neste momento, é importante cumprir a Lei, apesar de injusta, ao mesmo tempo em que se busca a união com outros proprietários para se tentar buscar uma solução, seja através da justiça, de manifestações públicas ou da solicitação de ajuda aos políticos que elegemos. Procure o deputado estadual que teve seu voto. Mostre sua indignação e exija que seus direitos e de seu animal de estimação sejam cumpridos. Existem casos de cães doentes que necessitam fazer exercício e sair à ruas várias vezes ao dia quando moram em apartamento. Neste caso, o proprietário deve procurar o médico veterinário responsável e pedir-lhe um atestado sobre as condições de saúde do animal. Com isto, o proprietário do cão deve procurar a Secretária de Segurança Pública, responsável pela fiscalização da Lei, e exigir uma solução. Se necessário, deve procurar um advogado para garantir a saúde e o bem-estar do animal.

Secretaria de Estado de Segurança Pública - SSPssp@ssp.rj.gov.br
E-mails da Drª Andréa Lambert:andrealambertvet@gmail.com
Tel: (21) 9632-8115


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